Boris Gucovski

The Last of Us - Epi #3

Capa - The Last of Us - Epi #3

O dia que você tanto temia, ou esperava, chegou.

O dia que você tanto temia, ou esperava, chegou. Merda! Esses porcos nazistas do governo tinham mesmo que fabricar um vírus ou fungo pra escravizar o povo. Você respira fundo, coloca as ideias no lugar e agarra sua mochila em direção ao porão – seu bunker particular. Você vai ficar lá um tempo desta vez.

“Não importa o que aconteça”, você pensa, “me chamo Bill e vou sobreviver pra mostrar pra esses comunistas de merda como se faz!”.

Lá de baixo, já com a escopeta empunhada contra um ombro que treme e sentado numa cadeira virada para a porta, você aguça os ouvidos e tenta controlar a respiração. Seus vizinhos estão aos gritos, arrancados de seus lares pelos nazistas. “Antes eles do que eu”, você pensa.

Foram fracos. Com você não vai acontecer, não mesmo.

Muitas horas se passam. Você abre lentamente a porta e não há sinais dos porcos. Sua casa está toda revirada, é claro, mas você está inteiro. E livre. Com a cidade vazia, é hora de continuar fazendo o que funcionou.

Você espalha armadilhas e cercas nos limites da sua nova cidade fantasma. Você planta nos parques da cidade, cria galinhas e vive uma vida confortável durante o apocalipse. Você é um gênio da sobrevivência.

Ou pelo menos era o que você pensava.

Três anos se passaram até aquele grito por socorro em uma de suas armadilhas. Ele tem fome, parece perdido. Será que ele diz a verdade?

“Esse pobre coitado não tem como me fazer mal”, você pensa. Você é mais inteligente e melhor preparado. Você o tira dali e serve de um prato de sua comida bem cozida e um vinho. Ser generoso agrada a Deus, afinal. E se ele fizer merda, você atira nele.

E agora o estranho, que parece tão feliz e pleno, pede para tocar seu piano antes de partir.

Seu piano...

O pedido te comove. Você não entende, mas permite. Sua arma segue firme no coldre bem ao seu alcance. Tudo ficará bem. Tudo ficará bem...

O homem toca, mas não muito bem. Então você decide demonstrar como se faz. Como um homem de verdade toca piano. A música de seus dedos parece emocionar aquele homem, que assiste, assiste e então, em silêncio... decide beijar você.

Você se sobressalta, mas permite o contato. Sem entender como, foi sua vez de cair na armadilha. É sempre assim com as armadilhas.

Ele fica mais um dia, mais um ano. Dezessete anos. O estranho da armadilha se torna seu lado sensível. Ele te ensinou a expressar amor sem medo e comprou sementes de morango de dois viajantes uma vez. Ele cozinhou pra você. Ele cuidou de você. Frank o convidou a passeios pela boutique, ao supermercado, e fez haver vida na cidade dos mortos.

Mas dezessete anos não são dezessete dias. O ar e o tempo, dizem, corroem tudo. Eles corroem as cercas mais antigas e corroem também Frank. Não há cura para o que o acometeu de repente. Não há cercas, pistolas e nem armadilhas que possam protegê-lo disso. Não há bunker para salvar Frank.

Ele agora anda calado. Seu olhar carrega muito mais do que antes. Sua voz não tem o mesmo volume e altivez. Você quer que ele fique mais, sempre mais, até quando for possível. Frank discorda. Para ele, já é hora de partir e ele tem uma ideia.

Você não quer ouvir suas ideias idiotas. Seu plano besta. Você quer mandá-lo calar a boca!

Mas o plano dele é bom demais para ignorar. Frank é bom demais para ignorar.

Você ouve a ideia enquanto olha pela janela. Você vê dezenas de pequenas melhorias à cidade fantasma que já não é, que vocês fizeram juntos. Há milhares de memórias que passeiam por ali, livres. Você respira fundo.

Você se vira para ele e acena que sim com a cabeça, trêmulo, olhando para o chão.

Sua mente acelera com a decisão de acatar. Desprende-se do presente e volta ao dia do estranho que caiu no buraco, que almoçou com você, tomou banho em seu chuveiro e tocou em seu piano. Ao estranho que fez anos parecerem dias ao transformar uma cidade da morte em uma celebração da vida.

O que Frank pediu foi um último dia para vivenciar seus momentos finais com leveza.

Um último passeio, um último jantar com bom vinho.

Uma troca de alianças, prova do amor que atravessa vida e morte.

Quando sua mente volta ao presente, você ainda treme pelo queixo e pelas mãos, assim como pelo peito com o espancar do coração, que sangrou ao concordar com o impossível.

O dia seguinte se passa como haveria de passar. Vocês riem, aproveitam como se fosse o último, e ao mesmo tempo, não fosse. Com o cair da noite, a tensão sobe. As respirações pesam com a chegada da garrafa de vinho com os remédios que não curam.

“Tudo bem, vamos fazer isso”, você pensa. Mas você vai fazer do jeito do Frank, mas do seu. Do jeito romântico. Do jeito Romeu. Do jeito que Frank faria por você.

Enquanto você serve a taça de Frank e a sua própria, você pensa que, pela primeira vez, você criou uma armadilha que não foi feita para matar. Você criou uma armadilha que leva da morte à vida.

Você o observa enquanto ele toma seu último vinho. Agora você pode fazer o mesmo.

Ele logo entende o que se passa e concorda com sua ideia de ser seu Romeu, com um riso que escapa pelas bordas da taça.

Ele pousa a taça vazia e te convida para seu lado, com carinho e com compreensão. Afinal, o coração de Frank já tinha muitas cicatrizes para sangrar como o seu, virgem de sofrimentos semelhantes.

A porta da eternidade se abre conforme os dentes da armadilha se fecham sobre os dois, que já não estavam mais ali para sentir qualquer tipo de dor. Havia coisas mais importantes para se viver a partir de agora, quando o tempo não importava mais.